quarta-feira, 30 de maio de 2012

Às vezes ainda me pego pensando se essa noite realmente existiu ou se não passa de uma das histórias que sobre ela criei. Foi a última vez em que a tive em meus braços, em que beijei seus cachos, que a senti dentro de mim. Depois disso a  perdi, como quem deixa cair algo do bolso, como quem esquece um guarda-chuva no ônibus.
Naquela noite, há alguns meses, a encontrei encolhida sobre os lençóis de nossa cama, fitando fixamente a fina lâmina presa por um cordão ao lado do espelho. Seus olhos estavam vermelhos, suas pálpebras estavam inchadas, e por suas maças do rosto escorria negra tinta. Seus cachos ruivos inozavam-se em um coque mal feito, e por toda sua pele estampavam-se seus arrepios. Seus lábios tremiam, sem cor alguma, enquanto seu corpo balançava calmamente, como se dentro dela soasse alguma canção de ninar. Aninhava-se com seus braços pálidos, sem nunca desviar o olhar.
Não hesitei em tomá-la em meus braços, beijando-lhe os ombros, segurando seu rosto em minha direção. Seus olhos verdes encontraram com os meus, deixando que eu fosse invadida por tudo aquilo que dela despejava. Olhava-me com desespero, como se não soubesse o que fazer, como se precisasse sair dali. Entreabriu a boca, respirando fundo e olhando-me mais uma vez antes de fechar os olhos.
- Eu... Eu só estou tão... - Começou a sussurrar. - Eu só me sinto tão vazia, tão... Inexistente. E falta, falta algo, e sobra... Sobra tanto, e... Não Sobra nada. E Transborda o que não... Não era pra transbordar. E eu, eu sinto como se, como se eu tivesse me esquecido por aí, me deixado pendurada atrás de alguma porta... Como se, como se eu não me encontrasse mais. E... - Agarrou-se ainda mais em mim, apertando as mãos em minhas costas. - E, eu... Eu me sinto tão... Com Tanta sede, com tanta fome... Daquilo que não existe, daquilo que eu não encontro... E... Eu...
Afastou-se um pouco, olhando-me outra vez. Tomou minhas mãos por entre as suas, e lentamente foi abrindo os botões de sua camisola. E suavemente, como se seguíssemos a melodia de nossas respirações, valsei a ponta dos dedos por suas costelas, seus seios, barriga, quadris e cocha. Tatuei meus lábios em cada uma de suas cicatrizes, em cada marca, em cada pinta e sarda, em cada curva, em cada traço e destroço.
E nada no mundo poderia ser mais amável do que ela, com suas asas quebradas e seus sonhos de um dia voar.

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