sábado, 2 de julho de 2011

A saia de pregas azul marinho balançava entre suas cochas magras, a camisa branca e mal passada de seu uniforme grudava em sua pele clara e suada, e suas meias ¾ escorregavam frouxas até seu tornozelo. Seus sapatos pretos estavam gastos e sem lustre, e sua mochila marrom parecia antiga demais. Corria pela calçada cheia, desviando de pessoas, postes, carrinhos de bebê, sacolas de compras, telefones públicos, hidrantes, árvores, cachorros e todo tipo de coisa.
Sua boca rosada e pequena entreabria-se a cada passo e seus joelhos avermelhados latejavam a cada esquina que atravessava. Seu cabelo loiro já se desfizera do coque feito com pressa pela manhã, e suas bochechas sardentas ardiam com a força do vento. Quanto mais seu corpo transparecia seu cansaço, mais forçava suas pernas a correrem, sua mente a manter o foco.
Perdeu lentamente a velocidade quando chegou a um pequeno bosque. Tudo que se ouvia era o cantar suave dos pássaros, o vento sobre as folhas secas e o sutil e distante som da cidade. Tirou a mochila das costas, pendurando-a em um galho, buscando dentro dela canetas e papel. Descalçou os sapatos, guardando dentro deles suas meias encardidas.
Sentou-se em um tronco ao lado de uma das árvores mais altas e calmamente foi passando seus dedos curtos e finos sobre o musgo de seu tronco, sobre as folhas quase secas dos galhos mais baixos, sobre as raízes grossas e longas, e, suavemente, como quem coloca as mãos em algo pequeno e frágil, enroscou seus braços ao redor da árvore, aninhando-a em seu abraço mais romântico.
Afastou-se sem dar as costas, sentando-se novamente no tronco ao lado. Abriu seu diário, tirando a tampa da caneta com os dentes, e delicadamente deixou que sua caligrafia preenchesse o vazio das linhas.
“Papai disse que mamãe não mais voltar. Disse que estão faltando estrelas no céu e que foi preciso que ela virasse uma. Para mim há estrelas de sobra. Talvez os adultos nem olhem para o céu, por isso não entendem a infinidade de estrelinhas.
Vim para o bosque depois da escola, mas dessa vez tratei de apressar-me para não chegar atrasada para o jantar. E diferente de papai, Marianne não acha que mamãe virou estrela, ela disse que mamãe ainda está aqui, mas que, diferente de antes, agora ela está em todos os lugares. Absolutamente em todos. E eu acredito nela, pois quando a abracei pude sentir o perfume doce de mamãe, o conforto de seus braços aninhando meu corpo. Marianne disse que não devo sentir saudades porque isso seria egoísmo, eu devo buscar mamãe nas coisas mais simples, nas partes mais bonitas de meu cotidiano.
Marianne entende das coisas muito mais que papai, acho que eu deveria apresentá-los algum dia. Talvez ela pudesse ensiná-lo que a vida pode ser muito mais doce do que ele pensa.
Sinto saudades de mamãe mesmo que Marianne diga-me que é egoísmo, mesmo que papai ache que é bobagem, mesmo que as empregadas pensem que é o esperável, mesmo que a cozinheira fale que é questão de tempo. Sinto falta de mamãe, pois nenhum professor de piano tem a mesma paciência que ela, pois nenhuma das criadas me acorda com um beijo úmido e um abraço apertado, pois não há ninguém para sentar comigo no chão da sala e brincar de bonecas. Sinto falta de mamãe porque ninguém é como ela, ninguém pode substituí-la. Não consigo aceitar que ela tenha virado todas as coisas do mundo quando ser apenas ela já era maravilhoso para todo mundo.
Está ficando escuro, é impressionante como as tardes passam rápido demais aqui no bosque. Ficarei mais um pouco com Marianne ela prometeu continuar a história que começou semana passada, e depois voltarei para casa. Espero que mamãe tenha cansado de ser a alegria do mundo e volte a ser apenas a minha, que ela esteja esperando-me sentada na mesa do jantar com uma expressão zangada no rosto.
Voltarei a escrever assim que eu puder vir ao bosque outra vez.”

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