quarta-feira, 13 de julho de 2011


Em poucos minutos a escuridão se estabeleceu sobre as ruas estreitas da cidade. Clarissa enfiou o capuz manchado de seu moletom e correu os últimos metros que a separava das telhas azuis transparente do ponto de ônibus.
Encostou-se bruscamente em uma das colunas, abaixando o rosto para desviar do fluxo intenso de sombrinhas e guarda-chuvas. Tirou dos bolsos uma carteira de cigarros, algumas moedas, um isqueiro vermelho e o que restou de um pequeno pacote de balas. Levou um dos cigarros aos lábios e o acendeu, prendendo seus olhos castanhos nas luzes esverdeadas de uma boate na esquina.
Sentia-se satisfeita por não lhe causarem mais alucinações, por não mais enxergar o rosto desfigurado de Roxanne sobre as luzes de qualquer danceteria. Sentia-se satisfeita por não procurar por partes dela em cada uma das pessoas ao seu redor, por não mais perder as madrugadas a procurando em todos os bares, em todas as mesas, em cada canto imundo da cidade.
Estendeu o braço direito, chamando o ônibus. Esticou as pernas curtas, raspando a frente de seu coturno marrom no assoalho de metal. Subiu a escada com pressa, entregando com distração as moedas sujas ao cobrador. Não levantou os olhos para ver seu rosto.
Passou pela catraca, deslizando seu olhar pelos bancos traseiros. Todos ocupados por rostos apagados, por expressões corporais que nada diziam. Todos se mantinham perdidos em suas atividades. Algumas pessoas folheavam revistas, outras maquiavam os lábios e bochechas, alguma mulher lixava as unhas, algum senhor parecia cochilar, alguma criança encolhia-se de frio.
Voltou os olhos para os bancos da frente, prendendo rapidamente o olhar na garota do segundo banco. Tinha o rosto levemente rosado e os lábios entreabertos. Seus cabelos loiros alaranjados estavam presos com desleixo, sua nuca parecia úmida, seus dedos levemente vermelhos. Usava um vestido azul anil e trazia no colo a bolsa de couro marrom. Estava incrivelmente assustada, incrivelmente desconexa aos corpos movendo-se lentamente pelos bancos e corredor, aos corpos que pareciam não sentir nada. 

(continua)

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