quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Por entre o asfalto cintilante, por entre a névoa que se dissipava, por entre as luzes fracas do café, por entre os goles de conhaque, por entre os cigarros que acendi e não traguei, por entre as cadeiras estofadas em couro falso, por entre as mesas em mármore, estávamos nós dois.
Não sei ao certo quem ele era. Não sei ao certo quem eu era. Só sei de nós. E nós estávamos sentados próximos ao abajur. Eu ria calma de como ele levantava os olhos do bloco de papel que apoiava nos joelhos, observava severamente meus traços por alguns segundos e descia os olhos para as folhas em branco, rabiscando algumas coisas e amassando o papel.
Ele comentava algo em tom raivoso, sobre como meus olhos eram difíceis de serem desenhados, e eu respondia, enquanto finalmente resolvia levar um dos cigarros aos lábios, que não deveria desenhá-los já que tomavam tanto tempo e exigiam tamanho esforço. Ele me fitava irritado, como se tivesse o ofendido, e me explicava, calmamente, que fotos não eram fiéis e que seu grafite gasto e seus dedos calejados registrariam com mais precisão a imagem que ele tinha de mim. Perfeita e jovem. "Minha garota" dizia enquanto esfregava os dedos sujos na cortina de seda branca e descia os olhos outra vez para o papel.
Minhas maças do rosto ruborizavam levemente, não pelo que havia dito mas pelo tom rouco e meloso de sua voz, e ele observava a mudança de cor com um brilho intenso nos olhos, voltando-se para a pasta bagunçada na cadeira ao lado, procurando por entre livros e papéis de carta, lápis de cor para me colorir.
"Ah, querido..." eu pensava, "Faça de mim o que bem entender." E sorria, enquanto o via pintar minhas mechas roxas. "Pinte-me de todas as cores, leve-me embora desse lugar, faça de mim exatamente isso que seus olhos azuis vêem, sua garota e nada mais."

Um comentário:

  1. Assim, viciante como a cafeína, se faz seu blog.
    Belo texto, minha cara.

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