quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Passaram-se semanas, e os fantasmas não voltavam. Em primeiro momento, ao sentir que não havia ninguém para perturbar meu sono, aumentar minha insônia e incomodar meus ouvidos durante as madrugadas frias, pus-me rapidamente a deleitar-me com toda liberdade que dispunha e esperar que esta durasse uma pequena parte de eternidade. Mas após alguns dias vivendo dessa sanidade completa, sem ter contato com meus pequenos demônios, percebi-me em uma vida banal. Só então percebi como a falta de sanidade dava sentido aos meus dias, e como os amores reais, esses de quem ama lúcido, são falsos e nem se comparam com a imortalidade de meus sentimentos para com meus vultos.
Os demônios me amavam, e eu os amava ainda mais dentro de meu silêncio. Mas eles haviam me deixado, fraca e perdida, sobre os destroços de amores que um dia tivemos. Por que foram embora, assim, de repente? Por que não deixaram uma carta, um bilhete de adeus ou algum sinal de que um dia, um dia sequer, voltariam para explicar-me o que houve? Afinal de contas, por que diabos me abandonaram? Fazia essas mesmas perguntas, noite e dia, buscando em cada canto de meu quarto desbotado pistas, memórias, e respostas.
Mas o fato é, sem explicações, sem melosidades ou recados frios, foram todos embora, deixando por entre as paredes as sombras do que um dia vieram a ser. Passaram-se meses e nenhum sinal de meus demônios, meus queridos e únicos demônios. Até que certa noite, enquanto eu dormia um sono leve e constante, senti minha cintura ser envolvida por braços finos e fracos, e meus lábios ríspidos serem umedecidos por uma boca macia e tépida. Risos histéricos correram por entre as frestas da parede de madeira, sapatos passaram a debaterem-se pelo piso lustroso, portas e janelas foram abertas deixando que a névoa invadisse o cômodo turvo, e unhas roçaram em minhas costas nuas. Ah, como havia sentido falta de toda essa tortura, como meu corpo e minha alma imploravam por ausência de sanidade, como meu peito suplicava por amor sofrido.
Não fiz movimento, controlando minha fúria de mandá-los embora, minha vontade de aninhá-los, minha febre de perguntar-lhes por onde haviam andado. Apenas fechei meus olhos, e implorei calada que me possuíssem a alma, o corpo, o peito e a vida.

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