segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Desabafos de sábado.

De frente para o espelho levemente empoeirado, deixando fugir dos lábios breves frases roucas que acompanhavam a doce melodia de Cazuza. De seus olhos brotavam lágrimas que umedeciam suas olheiras roxas, suas bochechas envoltas em espinhas e manchas, seus lábios rosados e seu queixo de formato agressivo. Lágrimas que passeavam sobre seu colo pálido e dissolviam-se ao tecido grosso de sua blusa.
Agora, de frente ao espelho, tudo que via era tudo o que fingia não ver e sentir todos os dias. Via tudo o que fazia de conta que não era, todos os defeitos que tentava inutilmente esconder. Seu quadril era largo, seus lábios eram finos, seus cabelos eram oleosos e formavam cachos deformados, sua coluna era torta, suas pernas compridas demais, sua cintura era pouco feminina, em seu rosto predominavam traços masculinos, seu pescoço era longo, seus dedos ossudos e vermelhos, suas unhas roídas, seus pés magros, suas cochas grossas, seus joelhos saltados, seu ventre era inchado, e seus olhos negros demais.
Doía tanto, e cada dia mais. Doía quando a manhã chegava morna, roubando de seus olhos o doce encanto dos sonhos, e revelando por trás dos vidros imagens de alguém que ela não gostaria de ser. Doía tanto, quando se despia e suas mãos encontravam suas formas imperfeitas, e as pontas de seus dedos passeavam pela pele suja e áspera. Doía tanto, quando todos a olhavam. Doía tanto, quando sentia que o mundo a julgava, olhando nela todos os defeitos que pareciam tão óbvios quanto a camada de maquiagem que usou para disfarçar.
Doía tanto, quando não lhe restava opção, quando suas pernas fraquejavam, quando seus joelhos caiam de encontro ao piso frio, quando sua garganta era forçada, quando seus olhos ardiam, e de dentro dela tudo era tirado, menos a dor, essa sempre restava. Doía tanto, e cada dia mais.
Alguns dias doíam mais, outros dias menos. Um dia ou outro podia sentir a doce inocência de ser como as outras garotas, seguras, certas, fortes, distraídas, exatas, perfeitas, mas apenas sentia, jamais seria, jamais gostaria, jamais entenderia. Odiava tanto aquelas garotas, mas sem dúvidas, odiava mais ainda a si mesma.

Confuso e sincero.

Um comentário:

  1. pode ter certeza que doeu aqui também. me fazer chorar ás seis da manhã não é pra qualquer um .

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