domingo, 4 de outubro de 2009

Amelie,

Eram assim todos os fins de tarde, ela corria do ônibus escolar e encontrava papai em sua oficina no fundo do quintal, ele sempre estava ali, construindo as coisas mais incríveis para ela, cadeiras, gnomos para o jardim, carrinhos de madeira, balanços, entre outras coisas. Papai era seu herói preferido, ela amava seu cheiro, uma mistura de creme para barbear com madeira velha, sem dúvida o melhor cheiro do mundo. Papai era tão bom para com ela, fazia brinquedos tão incríveis, a empurrava no balanço, e sempre lia para ela dormir. Embora mamãe também fosse muito boa, Amelie sempre teve mais carinho pelo papai, mamãe era muito ocupada.
Certo dia ela chegou da escola e como de costume foi até a oficina, papai ainda não estava lá, devia ter se atrasado. Papai não chegou até a hora do jantar. Embora mamãe tivesse pedido para ela jantar sem ele, Amelie recusou, disse que sem papai não jantaria, empurrou uma cadeira até a janela, subiu, e ficou parada, de joelhos, olhando para fora a espera de seu pai.
Ele chegaria logo, ela sabia disso, papai nunca demorava tanto, mas devia ter algum motivo. Chegou à hora de dormir, Amelie não queria dormir, como poderia? Papai não estava lá para ler para ela, mamãe disse que leria, mas a voz dela não era tão suave e doce como a de papai. Amelie demorou para pegar no sono.
Acordou e correu para o quarto dos pais, papai não estava deitado lá, nem mamãe. Mamãe estava na cozinha chorando. Amelie sentiu culpa por isso, não devia ter magoado mamãe recusando que lesse para ela, foi correndo abraçá-la e pedir desculpa. Mamãe chorou mais por isso, Amelie não sabia, mas leitura não tinha nada haver com o motivo das lágrimas.
“Escute, pequena Amelie, seu papai vai demorar muito para chegar, ele não contou a você que demoraria porque não suporta a dor de despedidas.” Aquilo soou tão estranho para ela, como papai foi viajar sem ela? Papai nunca viaja sem ela, perguntou a mamãe porque ele fez isso.
“Papai foi defender nosso país, ele vai lutar pela nossa liberdade, e depois vai voltar, mas sendo um herói.” Isso era tão bobo, papai sempre tinha sido um herói, mas de qualquer forma Amelie ficou feliz por saber a verdade.
Não foi para escola, nem mamãe foi trabalhar, ficaram assistindo pela televisão as imagens da guerra, Amelie achava aquilo muito barulhento e cruel, havia vários homens mortos, sofria por pensar nos filhos daqueles homens. Sofria por pensar que papai poderia ser um deles.
Amelie cansou de ver aquilo tudo, ficou na janela esperando, esperando papai voltar, voltar mais herói do que antes.
Passaram-se anos e papai ainda não havia voltado, a guerra já havia chego ao fim. Amelie durante um ano acreditou que papai havia se perdido, depois acreditou que papai não lembrava o caminho de casa, depois de um tempo imaginou que papai não pudesse voltar, mas por nenhum momento pensou que ele não voltaria.
Todos os dias ia para oficina esperando encontrá-lo, todas as noites ouvia mamãe lendo e ouvia a voz de papai, todos dias esperava por um beijo de boa noite de papai.
Com o tempo, muito tempo, percebeu, percebeu que papai não voltaria, não de verdade. Amelie conformou-se com isso, e guardou a imagem de seu herói, não o herói do país inteiro, mas o seu herói, aquele que fazia coisas incríveis, empurrava ela no balanço, e lia para ela dormir.

( sim, eu amo repetir palavras. )

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