Outro dia cheio dos mesmos vazios. Outra tarde entre vozes e
corpos que se moldam, que me moldam, que me fazem mobília, que me tomam as
horas. Outra vez os mesmo passos cansados, passos descompassados de quem
carrega sacolas demais, de quem não suporta o próprio peso e se arrasta com
qualquer peso a mais.
Meus braços cansados deixam que as sacolas se soltem, que as
compram se espalhem entre as folhas secas e as camadas de poeira da varanda,
que meu fraco corpo também sinta-se solto, que caia lentamente sobre os degraus
encardidos da pequena escada.
Aperto os olhos e escondo meu rosto por entre as mãos, como
quem brinca de fechar os olhos até abri-los para outra realidade, para uma
varanda limpa, para uma casa pequena de cômodos cheios, para uma caixa de
correio com algo além de contas e folhetos, para um corpo que me suporte, que
suporte esses frangalhos de tempos passados, essas partes de quem já foi muito,
de quem já soube ser nada.
Abri os olhos para mesma realidade cinza, para as caixas de
leite amassadas e sujas, para as garrafas de cerveja que rolam pelo assoalho
manchado. Talvez fosse o tempo de parar de esperar, de aprender a moldar meus
dias ao peso que naquele momento suporto; Talvez fosse o tempo de colocar um
vestido florido, de trançar os cabelos, de varrer a casa, de tirar o pó do
piano, de limpar as janelas, de fazer biscoitos, de ser a primeira a mandar
carta.
Levantei da escada, apoiando-me ao corrimão bambo, e com a
calma de quem já teve tanta pressa, carreguei outra vez as sacolas para dentro,
mas dessa vez não fechei a porta.
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