terça-feira, 5 de março de 2013



Outro dia cheio dos mesmos vazios. Outra tarde entre vozes e corpos que se moldam, que me moldam, que me fazem mobília, que me tomam as horas. Outra vez os mesmo passos cansados, passos descompassados de quem carrega sacolas demais, de quem não suporta o próprio peso e se arrasta com qualquer peso a mais.
Meus braços cansados deixam que as sacolas se soltem, que as compram se espalhem entre as folhas secas e as camadas de poeira da varanda, que meu fraco corpo também sinta-se solto, que caia lentamente sobre os degraus encardidos da pequena escada.
Aperto os olhos e escondo meu rosto por entre as mãos, como quem brinca de fechar os olhos até abri-los para outra realidade, para uma varanda limpa, para uma casa pequena de cômodos cheios, para uma caixa de correio com algo além de contas e folhetos, para um corpo que me suporte, que suporte esses frangalhos de tempos passados, essas partes de quem já foi muito, de quem já soube ser nada.
Abri os olhos para mesma realidade cinza, para as caixas de leite amassadas e sujas, para as garrafas de cerveja que rolam pelo assoalho manchado. Talvez fosse o tempo de parar de esperar, de aprender a moldar meus dias ao peso que naquele momento suporto; Talvez fosse o tempo de colocar um vestido florido, de trançar os cabelos, de varrer a casa, de tirar o pó do piano, de limpar as janelas, de fazer biscoitos, de ser a primeira a mandar carta.
Levantei da escada, apoiando-me ao corrimão bambo, e com a calma de quem já teve tanta pressa, carreguei outra vez as sacolas para dentro, mas dessa vez não fechei a porta.

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