domingo, 14 de agosto de 2011


Ainda que sua voz rouca invadisse meus ouvidos como navalhas, dançasse por minhas entranhas, e apunhalasse meu peito um milhão de vezes ao dia, sinto saudades de você. Sinto esse vazio cravado em meu tronco, essas linhas eternamente em branco.
Lembro de quando te conheci, de como seus braços pareciam dóceis, de como sua voz era suave, de como me disse exatamente o que fazer. Lembro do primeiro mês, de meu reflexo perfeito nos espelhos, nas vitrines das lojas, nas janelas das lanchonetes. Lembro de como você agarrava-me pela mão, mostrava-me a beleza morta das coisas.
Lembro da sensação macia de dormir sob o calor de seus cuidados, de ter suas mãos sobre meu estômago, de alimentar-me apenas de você. Lembro-me de achar que não era preciso mais nada.
Lembro de pouco a pouco sentir saudades de mim, de ver, dia após dia, meu reflexo desaparecer. Lembro de sentir que seus braços apertavam-me demais, que suas mãos puxavam-me com força, que talvez você não me amasse tanto assim. Lembro-me de querer te tirar de mim, de implorar para que se afastasse um pouco, apenas por um tempo, só até que as coisas melhorassem.
Lembro de suas mãos me sufocando, de sua boca se contorcendo em gritos, de seu rosto vermelho, de suas veias saltadas. Lembro-me de ter morrido, de ter me deixado morrer. Lembro de atirar-me da sacada, de ter afundado a lâmina em meus tornozelos, de ter ultrapassado os sinais vermelhos, de ter me feito engolir venenos, de ter arranhado minha garganta, de ter me empurrado contra o chão. Lembro-me de implorar por socorro, de procurar-me e não me achar mais.

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