domingo, 14 de agosto de 2011

Amanhecer


Afofo o travesseiro, apoiando-o na cabeceira. Sento-me na cama, dobrando os joelhos até quem fiquem em frente ao meu rosto. Abraço minhas pernas e apoio meu rosto sobre suas marcas vermelhas e roxas, deixando que pequenos feixes de luz solar dancem na pele úmida de minha nuca.
Talvez hoje o café esteja menos amargo, talvez eu precise apenas de um guardanapo. Talvez já tenham nascido algumas flores no jardim, talvez o sol mantenha-se no céu até o anoitecer. Talvez nenhuma porta tenha que ser batida, nenhum desejo tenha que ser reprimido, nenhum coração tenha que ser partido.
Talvez hoje as pessoas sejam mais gentis. Talvez hoje eu seja mais gentil. Talvez entendam meus motivos, respeitem minhas falhas, compreendam meus hábitos, enxerguem meus perigos. Talvez duas canecas de chá bastem, talvez todas as refeições sejam feitas. Talvez meu rosto enrugue em pequenos sorrisos, talvez minha pele rasgue em enormes gargalhadas, talvez meus olhos ardam em terríveis lágrimas.
Estico as pernas, tocando o chão gelado com a ponta morna dos dedos. Levanto-me, procurando os óculos na penteadeira e as pantufas no chão. Visto o roupão, olhando uma última vez para a janela entreaberta.
- Que o hoje seja doce, ainda que o ontem e o amanhã não.

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