segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Raios de sol, leves e fracos, penetravam no aposento por frestas que o vento suave formava nas cortinas de renda amarelada. Vozes roucas, macias, estridentes, agudas, mudas, misturavam-se as teclas de todas as máquinas de escrever de todos os escritórios e escritores que habitavam o centro da cidade naquela manhã. Assim como se diluíam as batidas de saltos e bengalas, aos carros e bondes, aos flertes e suspiros, aos risos e sorrisos contidos, e as assíduas notas de Konstantine.
Os dedos finos passeavam pela superfície preta e branca do piano de cauda. E os lábios, macios e sem cor, sussurravam algumas rimas entre uma e outra melodia, em uma voz ainda rouca pelo efeito da manhã.
Acordara a pouco, ainda vestia a camisola de seda rosa, e tinha os cabelos longos e negros presos por uma fita. O rosto pálido e fresco, as pálpebras claras, e o hálito quente de uma noite bem dormida.
Suas notas eram tão perfeitas quanto a imagem de seu corpo magro, sentado sobre o estofado de veludo vermelho, a tocá-las. Era incrivelmente bela, exceto pelo fato de que nunca saberia disso. Seus olhos nada viam se não uma ponta de luz em um fundo de eterna escuridão. Não via a perfeição de seu rosto, a palidez de sua pele, o quão negro seus cachos eram, os raios de sol, as cortinas de renda, as fontes dos incessantes sons vindos da rua. Tampouco via a rua, tampouco via as notas que tocava.

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