quinta-feira, 28 de outubro de 2010


Ajoelhada sobre o tapete verde musgo, de frente para a lareira de fogo fraco, Konstantine fitava os pregos vazios na parede acima das chamas, nos quais antes, em tempos melhores, meias verdes com laços vermelhos e dourados eram penduradas na véspera natalina.  Esticou os braços curtos, tomados por sardas clarinhas que assim, a meia luz, mal se viam, e segurou com as duas mãos o retrato da família, em que ela, inocente e desdentada, sorria no centro, e era rodeada por outros sorrisos,outros braços, outros corpos alegres e únicos.
Colocou a foto em seu devido lugar na mesa de canto, ao lado da lareira. Virou os olhos para o outro lado da sala. O copo de leite morno e os biscoitos de mel recém assados descansavam no espaço onde deveria existir a sombra da árvore de Natal, se houvesse alguma.
Levantou, frágil, equilibrando-se em seus delicados pés de bailarina, e deslizou até a janela de frente para a rua.  As luzes natalinas das casas da vizinhança coloriam a penumbra do cômodo quase vazio, e as canções melosas e repetitivas misturadas aos burburinhos das famílias quebravam o silêncio de sua respiração fraca.
Meninas arrumando a mesa tentando conter a ansiedade de abrir os presentes antes da hora. Meninos rodeando o trem no tapete da sala onde os adultos fumam e bebem enquanto conversam sobre ações e viagens de verão. Mães servindo petiscos, pais enchendo os copos. Avôs contando histórias bíblicas, avós tocando piano. Quando Konstantine havia perdido isso? Em que momento foi que Konstantine se perdeu? Quando foi que Konstantine se tornou apenas esse vazio em seu peito, essa memória de tempos melhores?

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