segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Konstantine, parte 1.

Em meus braços dormia inerte, um sono leve e silencioso, suas mornas mãos apertando meus pulsos frios, e vez ou outra, sua boca pequena se contraía em um sorriso safado, um gemido abafado, um bater de dentes, um lamber de lábios, frutos de algum sonho desconhecido. "Um chocolate por seus sonhos, minha amada." Pensava, enquanto meus braços a afagavam e meus lábios cálidos roçavam na pele úmida de sua nuca.
Pensar que ela, minha eterna Konstantine, tinha sonhos, memórias, romances e pensamentos que não compartilhava, e que jamais compartilharia comigo, me matava, não aos poucos, mas em um golpe só. Imaginar que seu pequeno corpo já estivera em outros braços, que outros dedos desfilaram por sua pele pálida, que outras línguas provaram do seu sabor. Pensar que ela amara outras garotas com maior fervor.
Imaginá-la usando os pijamas largos com o aroma de outro humano, caminhando encolhida pelos corredores de outra casa, e esticando as pernas finas para alcançar outros armários, de outras cozinhas, para preparar o café da manhã de outra menina.
Meus olhos verteram lágrimas escuras e grossas que pingaram de meu rosto, molhando o travesseiro marfim. Esfreguei a face no tecido, secando as lágrimas que acabaram com a mesma rapidez com que vieram. Fui tomada por uma fúria inesperada, e pelo corpo em meus braços só sentia repulsa e ódio. Puxei meus pulsos que estavam envolvidos em seus dedos, agarrando, quase no mesmo gesto, seus braços finos. A levantei da cama e a fitei nos olhos.
- O que houve? - Perguntou assustada.
Não respondi, apenas corri levando-a comigo escada abaixo. Não ousei olhá-la novamente, tampouco dizer algo, apenas a escutei com desprezo.
- Me diga o que está acontecendo, você está me assustando! - Gritou assim que chegamos ao primeiro andar. - Solte meu braço, você está me mach...
A joguei contra a parede da sala. Bateu bruscamente as têmporas nos ganchos do cabide de casacos, manchando em vermelho os tecidos, o papel de parede azulado e as flores de plástico ao lado. A levantei em súbito, tampando sua boca com minhas mãos, e a guiei até a cozinha. A empurrei contra o ladrilho, deixando-a escorada na parede branca, e passei a abrir gavetas.
Gemia palavras indecifráveis, soluçava desesperada, e se debatia em dor e pavor. Encontrei uma faca na última gaveta, a puxei para fora e fitei Konstantine escorada na parede de azulejos. Olhou-me nos olhos, tentando falar algo. Desceu o olhar molhado para a faca lustrosa em minhas mãos, e, encontrando forças no próprio temor, levantou-se e correu em direção a sala.
A segui vagarosamente, me deleitando de cada berro, de cada murro contra a porta de madeira. Procurava ao chão, com as mãos trêmulas passeando pelo assoalho, as chaves que deixara cair. Sorri e a agarrei pela cintura. Beijei seus lábios e seu rosto ensaguentado. A girei em meus braços, e a movi, em passos curtos e ritmados, acompanhando uma canção mental. Ela me olhava assustada, pensando se deveria tentar fugir. Sorri para seu olhar confuso, me escondi em seus cabelos ruivos, e sussurrei em sua orelha úmida.
- Ah, como eu te amo, garota. Como eu te amo, como eu te amo, minha eterna e pequena Konstantine.
E, em um gesto leve, a apunhalei pelas costas, a esfaqueando friamente no espaço entre a cozinha e a sala de estar. Parei, absorta, soltando-a de meus braços, deixando-a cair, sem vida, no tapete outrora cor de oliva. Agora ela seria minha, sempre minha. Apenas minha.
A peguei em meus braços novamente, e a carreguei até a banheira no segundo andar. Abri as torneiras e deixei que a água caísse livremente sobre a pele pálida dela. Desci as escadas, encontrando uma sala vermelha. Ignorei o cheiro de sangue, vesti meu casaco, e tranquei as portas.

Leia depois: http://ilikecoffe.blogspot.com/2010/06/da-mesa-em-mogno-pingavam-gotas-de.html

2 comentários: