segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Em seu rosto o tempo havia tatuado cicatrizes e esculpido formas distintas as antes existentes. O tempo havia manipulado sua beleza, levando embora com os anos o brilho de seus olhos e o rubor de suas maças do rosto. Seus olhos, antes de um verde intenso e apaixonante, agora não passavam de pequenos pontos sem cor alguma, sem graça alguma.
Estava sozinha em casa, pela primeira vez em dias. Não era costume que ficasse sozinha, ainda mais durante as tardes de verão. Tomada pelo tédio, decidiu arrumar seu guarda-roupa enquanto os biscoitos assavam a espera de visitas. Cambaleou até seu quarto e abriu os armários revelando roupas que não eram suas. Esticou os braços flácidos, prendendo em seus dedos calejados a fibra que um dia revestiu o corpo de seu amado.
Sentia tanta falta dele. Ainda mais durante as noites, quando a insônia chegava mansa, e quando a lua invadia seu quarto, revelando na penumbra o vazio ao lado. Sentia falta no inverno, quando a manhã chegava discreta e seu corpo não mais queria levantar. Sentia falta quando perdia as forças, quando pensava em desistir, quando descobria não valer a pena. Buscava na fé que nele sempre existiu a força para curar suas inseguranças. Buscava na lembrança do calor de seu romance, vontade para continuar até o fim.
Perguntava-se: "Por que tão cedo? Porque tão rápido? Por que sem avisos? Por que tão difícil? Por que não comigo? Por que com você? Por onde anda você? Onde foram parar seus olhos claros que me prendiam? Onde foi parar a garota que em mim vivia?" Agarrou os braços do paletó vazio, umedecendo o tecido, bem cuidado e pouco usado, com lágrimas quentes e suaves. Precisava tanto dele quando a tarde chegava ao meio, quando todos encontravam algo para fazer, alguém para agradar, alguma carta para escrever, alguém para encontrar, e a ela só restava a beleza dos romances baratos e de literatura leve, e o cheiro doce de biscoitos ao forno.
Puxou o cabide para fora do armário, jogando o paletó no lugar que ele ocupara em sua cama, sorriu levemente, enquanto suas pernas tornavam-se ligeiras, ganhando força pela travessura que faria. Cobriu o que sobrou de seu marido, deitando ao lado e agarrando a roupa que não mais trazia seu cheiro, mas trazia aos seus lábios o gosto de cigarro dos lábios dele.

Nenhum comentário:

Postar um comentário