sexta-feira, 23 de julho de 2010

Continuação.

Talvez eu devesse voltar pra casa, fazer de conta que o dia começou bem, preparar chocolate quente e jogar pedacinhos de marshmallow. Talvez fazer isso fizesse do dia um dia bom. Mas o talvez me perturbou. A hipótese de voltar para casa e não encontrar nada que melhorasse, ou ao menos escondesse a falta de esperanças me perturbava mais do que a própria ausência de esperança.
Fechei os olhos e esperei que algum sonho, algum devaneio ou qualquer coisa que estivesse longe da realidade, me puxasse pra fora desse círculo de horror. Fixei minha mente em todas as coisas boas que existiam, e pela primeira vez encontrei-me procurando risos e não drama, e pela primeira vez só encontrei drama. Estiquei-me mais e esperei que o sono chegasse logo.
Passaram-se alguns segundos de mente vazia. Senti mãos segurarem meus calcanhares, e uma pressão empurrar meus joelhos em minha direção, abrindo espaço no pequeno banco. Alguém sentou ao meu lado. Estava prestes a abrir os olhos, mas se os abrisse poderia ver algo que provavelmente eu não gostaria de ver. Quem quer que estivesse sentado ali, poderia me roubar mas que me deixasse em paz.
Finos dedos cutucaram meu estômago, fazendo-me prender a respiração e evitar o riso. Era tudo um truque, imaginei. As mesmas mãos passaram rapidamente para meu rosto e cabelos. Decidi abrir os olhos.
Os cabelos avermelhados estavam bagunçados, os olhos cor de chocolate brilhavam, as bochechas eram rosadas e a pele do rosto, pescoço e braços era clara e aparentemente macia. Sorria infantilmente para mim, como se antes mesmo de saber desejasse feliz aniversário. Sem perceber também estava sorrindo, só que de um jeito bobo, e sorrindo por causa dela e não para ela.
Tomou-me nos braços, rindo em desespero. Senti meu pescoço umedecer, assim como algumas mechas de cabelo na nuca. Ela estava chorando. Busquei encontrar-me em outra posição, tomando-a nos braços. Esqueci de meu drama, de minha dor, da falta de esperança. Algo doía nela, e isso doía mais ainda em mim.
A garota pequena afastou-se com pressa. Sorriu e pediu desculpa em um sussurro gritante. Disse que não estava triste, que eu não precisava me preocupar, que chorava de alegria. Lágrimas de alegria parecem mais tristes do que lágrimas de tristeza, talvez porque tenham custado muitas das outras lágrimas. Pediu desculpa novamente, levantando e puxando minhas mãos.
Apartei a mão dela e prendi meus pés ao chão, fazendo-a virar automaticamente. Olhei em seus olhos, buscando alguma memória, algum dia no qual ela esteve presente. Nada.
- Por que você está feliz em me ver? - Desviei meu olhar.
- Porque senti sua falta. - Respondeu automaticamente, como se tivesse a resposta na ponta da língua.
- Mas eu não conheço você. - Respirei, buscando palavras pra dizer que aquele amor não era pra mim - Você deve estar me confundindo com alguém, eu-eu nunca vi você. - Em meus sonhos talvez.
Ela sorriu, guardando lágrimas tristes nos olhos cor de chocolate, olhos que me faziam querer lembrar dela, querer conhecê-la.
- Eu jamais confundiria você com ninguém, você é única. E seus olhos negros não me deixam ter dúvidas de que você é minha Amelie. - Sorriu, entrando em um transe de memórias que pareciam não existir para mim.
- Sim, eu sou Amelie. Mas você, quem é? - Gostaria de fazer de conta que lembrava dela, apenas pra tê-la por perto por algum tempo.
- Eu, eu sou Lisa. - Sorriu, ainda presa nas memórias.
- Eu nunca conheci ninguém com esse nome. - Sussurrei, procurando me prender em memórias como as dela.
- Tudo bem. - Disse triste ao mesmo tempo em que um sorriso roubava seus lábios. - Você pode me conhecer agora, nunca é tarde pra conhecer alguém de novo. Não acha?
Acenei com a cabeça, tomando-a nos braços.

Um comentário:

  1. Nossa! Admiravel o modo em que me deixa sem fala, me deixa tão... Paralisada e chocada! Não sei como me surpreendo tanto com o que escreve! Parabéns! *-*

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