sábado, 24 de julho de 2010

Acordei em uma manhã fria e nublada, não havia cheiro de café no ar, tampouco aroma de mel umedecendo fatias recém assadas de pão. Apenas mais uma de minhas típicas manhãs sem cores, sem sol, sem cafeína, sem gosto, sem vozes, sem cheiros, sem paixão.
Ela levantou de nossa cama alguns minutos depois, vestindo o roupão largo e cor de vinho, tomando seu lugar na sacada. A pele clara e macia foi coberta por finas gotas de chuva, os cabelos ruivos foram jogados pelo vento contra o seu belo e pálido rosto, e os belos olhos verdes correram pela vista da cidade em decadência. Riu entorpecida em seu drama interior.
Quinze anos de casamento, e há cinco anos ela deixou, completamente, de ser minha. Sentia falta de seu corpo procurando o meu por entre as cobertas, de seu sorriso ao dispertar, de seus olhos verdes fitando meus olhos de cor estranha, de seus braços afagando meu braços, de seus lábios frios queimando meus lábios quentes. Os anos passaram e ela nem sequer mudou, enquanto meu corpo perdeu aos poucos a vida, enquanto eu perdia meus cabelos, minha pele enrugava, minha visão se esvaia e eu me tornava mais e mais insuportável.
Suportou-me, suportou minha falta de fé, meus planos estranhos, minha vida boêmia, minhas amantes, minhas doses duplas de conhaque, meu cheiro de cigarro e álcool, minhas estantes de livros mofados, minhas roupas sujas e encardidas, meu desemprego, e todos meus defeitos que a cada ano só a afastavam mais e mais.
Agora, sinto a doença entupir minha corrente sanguínea, destruir meus pulmões, apodrecer minha carne, e apesar disso, sinto que nada dói mais do que tê-la perdido por tão pouco. Estico meus fracos braços, agarrando algumas folhas e canetas sobre uma dessas mesas antigas de nosso quarto, a observo do lado de fora da sacada, sinto saudades. Rabisco algumas notas, notas que formam a melodia que espero eu, depois de morto, provem a ela o que não tive capacidade de provar quando vivo, que a amo.

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