sexta-feira, 28 de maio de 2010


Olhei para o quarto vazio. Não havia nada do que costumava existir por lá. Faltava cor, faltava a ausência de espaço, faltavam os vãos entre os móveis, faltavam cheiros, faltavam tapetes, faltavam minhas coisas. O quarto estava nu, mas ainda assim era o meu. Apenas por mais uma noite.
Encolhi-me no colchão, que certamente mamãe havia arrumado para mim, ao canto do quarto. Remexi-me por entre a fina coberta, deixando escapar de meus lábios gemidos de ansiedade contida. Passaria o próximo dia dentro de um carro, passaria então mais alguns longos dias viajando por um estado que não era o meu, e depois, por fim, chegaria ao lugar que teimavam em dizer que seria meu novo lar.
Eu já devia estar acostumada. Não era a primeira vez, seria a sétima ou sexta, que eu deixava algum lugar que costumava chamar de "minha casa". Levantei-me do colchão. Sentia falta de minha cama, dos adesivos na cabeceira.
Liguei a luz para olhar o quarto por completo, a sombra de luz vinda de fora não me deixava ver as marcas que deixaria por lá. Abaixei a mão que tocava o interruptor, descendo até encontrar o papel de parede de uma boneca e seu ursinho. Segui o papel pelas quatro paredes, seguindo a linha reta em que estava. Deixei-me cair ao chão quando parei na pequena árvore de medição. Marcas por todo o desenho da árvore, não só minhas medições, mas de minhas amigas também. Vinte centímetros a mais de riscos fora do desenho. Eu havia crescido ali. Ali era meu lar.
Abri a janela, aquele quintal era o meu lar. Eu não queria deixar meu lar para trás. Havia mais memórias desse lugar do que de qualquer outro. Observei os riscos por toda parede, as marcas de fita, os arranhões no assoalho causados por brinquedos. Corri para a sala, observando todo vazio de meu lar, de minha casa. Havia uma enorme pilha de móveis no centro da enorme sala. O caminhão de mudanças buscaria assim que encontrássemos uma casa nova na cidade nova, no estado novo, na minha vida nova.
Alegrei-me ao pensar que seria uma pessoa nova, poderia mentir, inventar amigos, inventar aventuras, inventar qualquer coisa apenas para seduzir alguém. E agora, encolho-me na cadeira gélida. Faz quatro anos, como eu era patética. Nenhuma dessas coisas foi completamente verdade. Eu não me tornei uma pessoa nova, embora quatro aos tenham feito de mim mais fria, menos infantil. Eu não perdi meu lar, eu perdi o que seria meu lar, se eu pudesse ter apenas um. Meu lar é muito maior do que o espaço físico, muito maior do que marcas em paredes. Meu lar está em cada um. Está naquela garota que passava as tardes comigo jogando qualquer coisa. Está naquela outra garota que vinha só às vezes, mas em meus pensamentos sempre estava. Está na garota que dormia em meu quarto, compartilhando comigo os terrores noturnos. Está na garota que eu odiava. Está na pequena criança que fazia balé comigo. Está em minha irmã, em meus pais, em meu cachorro. Está em mim. Está na garota que fez dos meus invernos aqui mais quentes do que deveriam ser. Está no garoto que faz meu rosto refletir fantasmas de sorrisos durante dias. Está na garota que embora não me conheça tanto, faça eu sentir que conhece. Está no Mato Grosso do Sul, em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Nordeste, no Norte, na Alemanha. Em qualquer lugar.

3 comentários:

  1. me deixou com os olhos embaçados.

    como é bom ler-te novamente menina!

    paz.

    ResponderExcluir
  2. haushuahsuahs ela anda copiando as coisas que eu vou dizer ↓ ↑ hunf ahsuahusha

    ResponderExcluir
  3. O final me surpreendeu. Achei fantástico! Despertou em mim, dentro de mim, sentimentos que estavam guardados...

    ResponderExcluir