terça-feira, 27 de abril de 2010

Tenho uma história quase completa, daria um bom começo para uma saga. Mas só tenho o primeiro livro, faltam-me algumas páginas, faltam-me algumas palavras, faltam-me algumas razões que o tempo apagou, como quando você tem uma idéia e deixa pra depois. Eu gostaria de lembrar de tudo, e gostaria de saber a continuação. Mas não há no mundo inspiração que tire da minha mente a verdade fria, a verdade de que eu nunca saberei o fim, porque a história real teve um fim exatamente na metade.
A última memória que eu tenho é de seus brancos e infantis braços enroscados no meu corpo também branco, e naturalmente mais infantil que o seu. Estávamos rindo, você havia me obrigado a vestir aquela fantasia ridícula, e eu me sentia tão estranha por estar deixando de ser criança. Suas antigas sapatilhas de balé não serviam bem em meus pés, eram grandes.
Você estava tentando me convencer de a fantasia era perfeita para mim, mas era impossível eu aceitar isso quando eu olhava para você. Tão linda, tão branca. Eu gostaria de saber se na época o que eu sentia era ciúmes dos outros que você tentava conquistar, ou inveja de você. Acredito que um pouco dos dois, diria que mais da primeira opção.
E então minha mente perde essa lembrança, percorre pelo fim desse dia, ligando o fim da matine com uma noite de outro dia. Estávamos em uma loja de brinquedos, fazendo de conta que somos velhas demais para aquilo. Você me contava sobre as suas férias, eu acho. E eu sentia raiva por não ter te conhecido antes.
Estamos agora no meu quarto. Você me pede para não desligar a luz, diz que tem medo do escuro. Eu conto vantagem por nunca ter tido medo do escuro, o que de fato era mentira, mas eu queria impressionar você. E então você diz que se eu segurar sua mão enquanto você dorme, eu posso apagar a luz, porque você tinha medo de estar sozinho no escuro. E então nós prendemos nossas mãos ainda pequenas e meigas, mãos de crianças, do tipo de mãos que levam um pouco de cada coisa feita no dia debaixo das unhas.
É ai que surge o vazio, a falta de informações. O que mais havia ocorrido? Eu passei anos com você, não um dia. Eu sei que essas memórias não são um quarto de tudo que sei, nem metade de tudo que eu deveria lembrar. Por que eu esqueci tantas coisas? Essas coisas não deveriam ser esquecidas, elas são importantes. Por que algumas memórias viraram apenas vultos? Onde foram parar sua voz e seu cheiro doce? E onde foi parar o fim que teria isso tudo, se eu não tivesse ido embora, se eu não tivesse esquecido, se você não tivesse esquecido, e se o tempo não tivesse cuidado do resto?

Um comentário: