Envergonho-me
ao descalçar as botas e tocar o asfalto com a ponta dormente dos dedos,
revelando unhas mal pintadas de vermelho e fiapos de meia. Faz tanto tempo
desde a última noite em que avistaram meus pés valsando tristes por essas ruas
estreitas. Mas cá estou eu despindo os grossos casacos de inverno, a calça
jeans desbotada, as roupas íntimas de quem não esperava ficar nua.
Cá
estou eu, torta e descabelada, segurando a tristeza pela cintura e a levando para
valsar pelas mesmas velhas ruas que se repetem a cada cidade, guiada por uma antiga
melodia sobre não estar louca, sobre apenas ter perdido a coragem. Cá estou eu, esquecendo-me de fingir que
seguro as pontas, emaranhando-me entre os remendos dos fios daqueles novelos de
vida que a gente costuma guardar no armário da sala, junto com todas as outras
coisas que não têm lugar.
O
estômago arde, grita, implora... Mas se não for ele vazio, serei eu. Meu corpo
volta a ser peso, a ser dor, temor... Vergonha. Vergonha do ponteiro que sem
paciência me avisa que não há mais tempo para baboseiras. Vergonha pela dança
nas ruas, pelo corpo que há muito não se reconhecia parceiro da tristeza. Vergonha
de ter soltado a ponta da realidade e a perdido entre os novelos desfeitos.
Vergonha por não ter me desfeito dos novelos que não cabiam à realidade.
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