Dancing with a devil on my back
sábado, 20 de junho de 2015
Segunda-feira, onze de maio de dois mil e quinze. Oito horas e quatorze minutos. Vento gelado e úmido contra meu rosto. Pele rosada e lábios roxos.
Encontrei Konstantine no silêncio das maquinarias humanas que iniciam a semana trabalhando preguiçosas no ar sonolento dos dias que não amanhecem. Seus cabelos ruivos enozados em um coque torto, seus lábios vestindo resquícios da vermelha tinta que lhe deram cor durante a madrugada que finge ter fim.
Entre sua mãos macias e pequenas apertava o maço úmido de cigarros sabor cereja e o isqueiro dourado com suas inicias gravadas. Seu pescoço revelava, por entre os pequenos espaços de sua manta azul escura, as marcas dos amores que iniciaram para não durar.
Konstantine olhou em minha direção. Ela me viu. Meus olhos negros encontraram com seus olhos verdes pela primeira vez em anos. Seus olhos sorriram marotos um sorriso que seus lábios não saberiam vestir. Seus olhos guardavam rastros do amor que sua boca não soube dizer, que seu corpo não soube suportar. que não coube no espaço entre nós.
quarta-feira, 20 de agosto de 2014
Envergonho-me
ao descalçar as botas e tocar o asfalto com a ponta dormente dos dedos,
revelando unhas mal pintadas de vermelho e fiapos de meia. Faz tanto tempo
desde a última noite em que avistaram meus pés valsando tristes por essas ruas
estreitas. Mas cá estou eu despindo os grossos casacos de inverno, a calça
jeans desbotada, as roupas íntimas de quem não esperava ficar nua.
Cá
estou eu, torta e descabelada, segurando a tristeza pela cintura e a levando para
valsar pelas mesmas velhas ruas que se repetem a cada cidade, guiada por uma antiga
melodia sobre não estar louca, sobre apenas ter perdido a coragem. Cá estou eu, esquecendo-me de fingir que
seguro as pontas, emaranhando-me entre os remendos dos fios daqueles novelos de
vida que a gente costuma guardar no armário da sala, junto com todas as outras
coisas que não têm lugar.
O
estômago arde, grita, implora... Mas se não for ele vazio, serei eu. Meu corpo
volta a ser peso, a ser dor, temor... Vergonha. Vergonha do ponteiro que sem
paciência me avisa que não há mais tempo para baboseiras. Vergonha pela dança
nas ruas, pelo corpo que há muito não se reconhecia parceiro da tristeza. Vergonha
de ter soltado a ponta da realidade e a perdido entre os novelos desfeitos.
Vergonha por não ter me desfeito dos novelos que não cabiam à realidade.
segunda-feira, 11 de março de 2013
Últimas dez noites de verão. Últimas nove manhãs de sol. Últimas dez tardes que duram mais do que o esperado.
Últimas horas para tirar a areia do sapato, para vestir a saia rodada, para brincar de amarelinha na calçada.
Últimos cem beijos roubados. Últimos cachos presos em um coque desajeitado. Últimos segredos confiados à estrela mais distante.
Últimas trinta xícaras em que o café mantém a temperatura até o fim. Últimos banhos gelados. Últimos ombros expostos. Últimos piqueniques no gramado.
Últimas manhãs vestindo camisa e calcinha na cozinha. Últimos segundos sentindo a ponta dos dedos ao lavar a louça. Últimos chás da tarde cancelados pelo calor. Últimas viagens com vento no rosto. Últimas canções de amor no rádio.
Últimas horas para um amor de verão. Últimos dias para sequestrar os raios sol, para mantê-los em um pequeno jarro com tampa, fazendo com que desfaçam e aqueçam as dores que guardam os corações de outono, os vazios que despertam ao cobrirem o quintal com as folhas secas.
quarta-feira, 6 de março de 2013
A bolsa de couro falso, velha e vermelha, com seu zíper
arrebentado permitindo que qualquer olhar passante encontre com seus tesouros; esquecida
sobre uma das mesas do pequeno restaurante, sobre a toalha que algum dia –
talvez quando os tempos eram outros – fora branca.
A pequena imagem imóvel em frente ao espelho embolorado; a
mão esquerda sobre os lábios rosados; os olhos inexpressivos, fixos ao reflexo que
os encara, fixos aquele rosto sem dono, aquela alma sem corpo.
A caixinha de música sobre a penteadeira, com sua doce
melodia nunca tocada; com sua frágil bailarina esperando eternamente pelo
momento de dançar; trancafiando em seu interior aveludado, os inocentes sonhos
de sua criança.
Os cigarros sobre a pilha de livros no criado-mudo; o toca-discos
sem agulha; o relógio sem o ponteiro das horas; a máquina de escrever com letras
apagadas; a dama da noite que nunca foi amada.
terça-feira, 5 de março de 2013
Outro dia cheio dos mesmos vazios. Outra tarde entre vozes e
corpos que se moldam, que me moldam, que me fazem mobília, que me tomam as
horas. Outra vez os mesmo passos cansados, passos descompassados de quem
carrega sacolas demais, de quem não suporta o próprio peso e se arrasta com
qualquer peso a mais.
Meus braços cansados deixam que as sacolas se soltem, que as
compram se espalhem entre as folhas secas e as camadas de poeira da varanda,
que meu fraco corpo também sinta-se solto, que caia lentamente sobre os degraus
encardidos da pequena escada.
Aperto os olhos e escondo meu rosto por entre as mãos, como
quem brinca de fechar os olhos até abri-los para outra realidade, para uma
varanda limpa, para uma casa pequena de cômodos cheios, para uma caixa de
correio com algo além de contas e folhetos, para um corpo que me suporte, que
suporte esses frangalhos de tempos passados, essas partes de quem já foi muito,
de quem já soube ser nada.
Abri os olhos para mesma realidade cinza, para as caixas de
leite amassadas e sujas, para as garrafas de cerveja que rolam pelo assoalho
manchado. Talvez fosse o tempo de parar de esperar, de aprender a moldar meus
dias ao peso que naquele momento suporto; Talvez fosse o tempo de colocar um
vestido florido, de trançar os cabelos, de varrer a casa, de tirar o pó do
piano, de limpar as janelas, de fazer biscoitos, de ser a primeira a mandar
carta.
Levantei da escada, apoiando-me ao corrimão bambo, e com a
calma de quem já teve tanta pressa, carreguei outra vez as sacolas para dentro,
mas dessa vez não fechei a porta.
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013
Enquanto observa em silêncio o cardápio, pode ser água ou
vinho, café com ou sem biscoitos, chá gelado ou quente, cerveja ou levantar e
ir embora. Enquanto encara o cruzamento, seus pés podem decidir por qualquer
direção. Enquanto o telefone não toca, ela pode te amar ou nunca mais te ligar.
Enquanto não encontra resposta, a resposta pode ser qualquer uma. E às vezes
ser coisa alguma é mais cheio do que ser pouco, do que ter escolhido ser um
quase alguém, quase feliz, quase inteiro. Enquanto resumir-se em folhas em
branco, você ainda pode ser tudo ou nada.
quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013
My Door is Always Open
- Fique. – Depois de dias de silêncio, tal pensamento
bruscamente escapou por minha boca, tomando controle do corpo e da alma enquanto
minha mente deslizava para o abismo existente em mim.
- Fique. Por favor, fique! – Agora meus braços a envolviam,
lutando com sua força e pressa, com seu desespero em se ver livre, em tirar a
mala de cima do guarda-roupa, bater as mãos para afastar a poeira, e
cuidadosamente guardar suas roupas, livros, discos, pincéis, tintas e palavras-cruzadas
solucionadas há anos.
- Eu passo um café. Podemos ver um
filme. Eu deixo você me pintar, se você ainda quiser. Você queria tanto... E eu
nunca deixei. Agora eu deixo. Pode me pintar do jeito que me vê... Do jeito que
sou. Não vou pedir pra me distorcer. Pode me pintar aqui, descabelada, com os
olhos inchados, o rosto molhado e o pijama sujo. Só me retrata. Só me deixa
saber de mim, saber de nós.
Seus olhos agora me olhavam
tristes, como se enviando uma mensagem de uma alma pra outra, como se dissessem
que não enxergavam, que não havia nada em mim que desejasse lembrar algum dia.
Desejara algum dia, eles diziam... Desejara tanta coisa algum dia. Mas agora só
poderiam fugir.
- O que você espera que eu faça?
Que eu acenda um cigarro, sente na sacada e espere enquanto você tenta
descobrir o que é meu e o que é seu? Isso não existe mais... O que você espera
que eu faça? Que eu seque o rosto e diga que tudo bem, que você faça seu tempo.
Não existe tal coisa.
Andava de um lado para o outro,
levando suas mãos magras e tortas até o rosto, tampando os olhos e sussurrando
começo de palavras, inícios de frases. Voltava-se em minha direção, tentava
continuar o que começara a dizer, virando-se outra vez ao se deparar com o
silêncio de seus lábios.
- Fale. Diga-me qualquer coisa. Diga-me...
Quando foi que deixamos de ser nós? Quando foi que eu deixei de ser sua garota?
Quando foi? Me conta... O que eu fiz? O que eu não fiz? É meu temperamento? São
minhas roupas? É minha voz? Me diz. Qual o problema comigo? Qual o problema com
nós? Fale. Deixe-me resolver as coisas pra gente.
Aproximou-se com pressa,
aninhando-me em seus fracos braços, beijando-me a testa, as maças úmidas do
rosto, os olhos, os cabelos, os lábios. Olhava-me com ternura e medo.
Afastou-se um pouco, tomando meu rosto por entre suas mãos. Olhou-me uma última
vez antes de soltar-me, antes de abrir a porta pra não voltar mais, e deixou que
nesses segundos a alma me contasse o que o corpo não entendia direito. Não era
a mim que havia perdido. Não era a nós que havia perdido. Era a si mesma.
E sem bagagens, sem dinheiro,
destino ou documentos, bateu a porta da sala. Talvez estivesse em algum café.
Talvez estivesse na beira da estrada. Talvez estivesse entre as páginas de
algum livro esquecido nas prateleiras da biblioteca pública. Talvez estivesse
em alguma canção que já não era tocada. Tudo que eu sabia era da existência
constante de nós, e da certeza que a maçaneta giraria algum dia, que qualquer
dia entraria na sala com um sorriso antigo, jogaria seu corpo no sofá e
reclamaria do tempo.
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