quinta-feira, 6 de outubro de 2011


Imóvel em frente ao espelho, seu reflexo parecia tão distorcido e indiferente que, se não fosse seus olhos transbordando negra tinta, poderia jurar que aquela não era ela, tampouco diria que aquela era alguém.
Esperava, ainda que inconscientemente, que alguém a consertasse. Que alguém limpasse seu rosto manchado, fizesse curativos em seus tornozelos arranhados, prendesse com laço de fita seus longos e macios cachos, a aninhasse em seus braços mornos e sussurrasse antigos sucessos, até que a leveza de algum sonho a guiasse para um lugar melhor. Mas não havia lugar melhor, não havia consertos, não havia braços, curativos e laços. Não havia ela, não havia nada.
Talvez se ela sentisse algo, talvez se ela se deixasse existir. Talvez se parasse de se encolher entre as luzes da vidraça, cantarolando de olhos fechados todos seus vazios de quem inexiste. Talvez, se esquecesse um pouco de tudo que ela não era, pudesse sorrir até que sua carne ardesse, sentir até que seus ossos doessem, dançar até que seu corpo não suportasse mais.
Talvez, se pudesse arrastar-se até a garagem, buscar a caixa de ferramentas enferrujadas e, com a calma de quem já teve toda pressa, consertar seus pequenos pedacinhos, conseguisse seguir em frente, conseguisse achar algo além.

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