sábado, 19 de março de 2011

Subiu a escada de três degraus do último ônibus daquela noite. Entregou a passagem amassada que trazia no bolso de trás da calça jeans surrada e, lentamente, deslizou pelo corredor estreito.
Os bancos estavam todos vazios, exceto por um casal de estudantes sentados ao fundo. Atirou seu corpo em um dos lugares, jogando a bolsa e os braços magros para o lado. Estava cansada, seus cabelos ruivos pendiam em um coque mal feito, sua maquiagem feita às pressas diluíra-se no suor de sua pele, marcando as maças de seu rosto com leves sombras negras.
Queria chegar logo em seu pequeno apartamento, lavar o rosto, lavar o corpo, as roupas, a alma talvez. Queria deitar em sua cama pequena, bebericar chá com mel e assistir as reprises de seus desenhos animados favoritos.
Era madrugada e a noite fora longa. "Tão longa, tão fria, tão cinza, tão apagada" pensava. Não gostava de pensar no que fora a noite, nos homens e mulheres que passaram pelos corredores e quartos imundos, nas mãos, braços e bocas que passearam por sua pele e seu corpo. Via o passado com ar de indiferença, como se assistisse um filme, lesse um livro, recontasse uma história. Nada no roteiro a surpreendia, nenhuma das páginas a assustava, nenhum dos toques a despertava. Não sentia aquilo, não sentia nada.
Aquela não era sua vida, assim como os biscoitos, os chás, os desenhos e o ônibus não eram sua vida. Sequer havia vida, sequer havia ela.

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