quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Mais uma vez, encontrei-me estática ao pé da escada, os olhos presos ao leve corpo que deslizava pelos degraus revestidos em camurça vermelha, pés lentos, fracos, jeitosos, feito pés de bailarina. Mais uma vez, aquele tremor nos joelhos que me toma de supetão, aquela vontade louca de tomá-la em meus braços e curar aos pouquinhos todas as feridas dela.
Sem que eu esperasse pelo movimento, seus olhos pálidos encontraram com meu olhar, prendendo-o, fitando minha alma até seu último canto antes intocado. Continuou a descer as escadas, seu rosto cansado trazia um sorriso abatido, seus lábios pareciam secos, seus cabelos ruivos grudavam em sua pele suada, seus brincos de pérola enroscavam em alguns finos fios quase loiros, e suas mãos apertavam o corrimão de carvalho. Em poucos segundos a teria em meus braços.
Mais uma vez, estiquei as mãos em sua direção. Pela primeira vez, seus dedos tocaram a palma de minhas mãos, levemente, docemente, em um rápido deleite, tirando-os com pressa e calma. A fitei mais de perto, encontrando em sua face traços rudes, procurando, por trás da frieza de seu sorriso novo, traços do que era antes, procurando delicadeza em seus olhos, doçura em seus lábios. Nada, nada restara da garota que outrora me levara a insanidade.
- Água. - Sussurrou rouca. - Por favor.
Sorri em resposta, me desprendendo de seu rosto, ganhando fôlego para me mover. Respirei fundo, virei rapidamente e me dirigi até a copa. Abri um dos armários mofados, peguei o único copo que restara, joguei algumas pedras de gelo que encontrei ao fundo do freezer, completei o resto com a água morna da pia. E fiquei lá, inerte, fitando o copo trincado e cheio.
Seus passos de dançarina soaram contra o assoalho da sala de estar vazia. Sequei o exterior encardido do copo na saia de meu vestido florido e cambaleei ao encontro dela. Ela. Konstantine."Nada demais, apenas Kons, a eterna Kons. Sorria e ame-a tanto quanto é de se esperar, nem muito, nem pouco, o suficiente." Pensei antes de vê-la parada fitando o vazio de onde um dia, em tempos melhores, ficara seu lindo e lustroso piano de cauda.
- Beba. - Estiquei o braço esquerdo. - Está um pouco morna, desculpe.
Não respondeu, seus olhos pareciam molhados. Apertou o copo com as duas mãos, dirigindo trêmula até seus lábios e engolindo o líquido esbranquiçado com pressa. Acabou rapidamente, mastigando com desdém uma das pedras de gelo.
- Mais? - Perguntei.
Assentiu com a cabeça, entregando-me o copo.
Já estava virando-me quando Konstantine jogou seu corpo contra a parede verde musgo, apertou as têmporas com as pontas dos dedos e suspirou em alívio e desespero. Deixou seu peso cair até tocar o assoalho, abraçou os joelhos avermelhados pelo frio e gritou.
Deixei o copo espatifar ao chão. Ajoelhei-me ao seu lado, tomando-a finalmente em meus braços.

2 comentários:

  1. "Pela primeira vez, seus dedos tocaram a palma de minhas mãos..."

    Finalmente! Finalmente conseguiu tocá-la...

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  2. Muito lindo. Encantador. Incrível. Adorável!

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