As pernas finas, cobertas pelo leve tecido da calça do uniforme escolar, os braços magros, e o tronco largo, envoltos em camadas e mais camadas de casacos e blusões de lã. Havia passado o dia fora, ignorando qualquer drama interior, qualquer fraco calor no peito, ao encontrar os olhos azuis por entre a multidão.
Pouco importava se agora doesse, só queria sentir, qualquer coisa. Só queria sentir algo pra ter certeza que continuava viva. Parou, esticando as pernas sobre um pedaço de tronco de árvore, do qual alguns fungos tomaram conta, apoiou-se na ponta dos pés, e sorriu enquanto via o céu cada vez menos azul claro.
De seus lábios vermelhos e frios deixou seu hálito quente fugir, e encontrar a espuma presa ao anel de arame que segurava em suas mãos geladas. Do anel amaeaçaram sair bolhas, mas estas ficaram presas ao metal. Assoprou, e viu as pequenas bolhas fugirem pelo céu, caírem pela grama sem cor, pela calçada áspera, pelo topo de árvores, pelas telhas.
"Bolhas para disfarçar minha solidão". Pensou. Pediu por mais ar, por mais tempo, por mais tardes frias, por mais espuma, por mais paciência, por mais amor em seu peito. Em cada assopro pedia algo, até que não havia mais nada a pedir, e então passou a assoprar, sem propósito algum.
A música ficou mais alta, ela jogou o tubo de espuma contra o muro, e correu. E dançou, e girou enquanto as estrelas e a lua a procuravam em algum lugar nesse planeta distante. Riu, riu de seus vizinhos que a olhavam com espanto, riu de si mesma, respirou nos vidros, deixando a marca de seu beijo, deixando seu hálito de canela e café.
Gritou, cantarolou, chamou por todos nomes que conhecia, por todos amores que trazia, por toda dor que não mais sentia. E girou, girou, girou e girou, enquanto o céu se tornava apenas uma sombra azul escura, enquanto a música tornou-se apenas pano de fundo, enquanto seu coração finalmente doeu, e seus pés finalmente cansaram. Caiu no chão, e lá ficou, perdida em algum sonho bom, esperando as bolhas de sabão voltarem.