segunda-feira, 7 de junho de 2010

Da mesa em mogno pingavam gotas de sangue, manchando o carpete verde-oliva. Havia manchas por todo cômodo, pelo papel de parede azulado, pelo piso de madeira escura e tábuas irregulares, pelo tapete da cozinha, pelo sofá cor de musgo, e pelas cortinas brancas. Havia sangue na porta, no tapete que dizia “Bem vindo ao lar”, e nas flores de plástico ao lado do cabide de casacos.
Ela trancou a porta, tirando as chaves da fechadura e pendurando no porta-chaves ao lado da porta da cozinha. Queria fazer de conta que estava tudo bem, e que as manchas de sangue faziam parte de uma decoração excêntrica copiada de um catálogo de arquitetura. Tirou as botas molhadas, colocando-as ao lado da porta. Tirou o casaco, pendurando junto ao sangue, sem se importar.
Subiu as escadas, sabia o que iria encontrar. A banheira escorria uma água vermelha, encardindo o ladrilho branco e o balcão de madeira barata. Corria para fora do banheiro, mofando o carpete, manchando os rodapés. Sorriu ao ver os cabelos ruivos caídos para fora da banheira. Aproximou-se, fitando o corpo pálido e sangrento dentro da água. Mesmo sem vida ela ainda era linda.
Desligou a torneira, levantando o cadáver e o enrolando em uma toalha branca. Sabia que em poucos dias tudo estaria acabado, os vizinhos perceberiam movimentos estranhos, os policiais notariam o sumiço de Kons e ela sem dúvida, seria a principal suspeita. Não se importava, não queria se importar. Abraçou o corpo frio, sorrindo.
- Agora mais do que nunca você parece como uma boneca. Poderíamos tomar chá no jardim, não concorda? – Observou o rosto, esperando movimentos dos lábios finos e avermelhados. Sorriu.
- Não precisa responder, eu sei que você quer chá e biscoitos. Espere-me aqui, não podemos tomar chá com essas roupas. – Olhou o corpo magro da garota – Ou então com roupa alguma.
Levantou do piso molhado e caminhou em passos rápidos e alegres para o quarto. Abriu o guarda-roupa, procurando vestidos e laços. Em uma passada rápida de olhos encontrou seu reflexo no espelho. Sabia o que estava fazendo, sabia que havia agredido a garota que mais amava no mundo, e sabia que havia feito aquilo sem razão alguma. Sabia que Kons que não iria perdoá-la, e que não iria voltar. Sabia que o corpo pálido e sem vida no cômodo ao lado não guardava mais nenhuma memória, se não o simples físico de uma garota que um dia teve bochechas coradas e um coração pulsante. Seus olhos deixaram lágrimas cair, não queria ter feito aquilo, não queria ter sido egoísta, não queria ter machucado Kons, não queria ter perdido Kons.
Desceu as escadas correndo, tirando da mesa a mesma faca que usara há dois dias. Subiu para o banheiro, fitando o corpo magro e perfeito de sua garota, sua eterna menina. Abraçou-a, beijou-a, e em um movimento rápido e sem sentimentos, deixou a faca afundar em seu peito e ser arrastada por todo tronco, até não conseguir mais puxar, até não conseguir mais se mover, até não conseguir mais sentir a frieza dos lábios sem vida de Kostantine.

2 comentários:

  1. O final doeu, senti a faca entrando.. tenho esse trauma, não consigo ver tiros ou facadas sem sentir em mim alguma coisa.. odeio...
    Mas o post... as vezes, ou muitas vezes, não fazemos idéia da consequencia de nossos atos. E podemos perceber tarde de mais... Um arrependimento eterno pelo que foi feito ou deixado de fazer. Por isso a inconsequencia pode ser uma maldição.
    Sempre é bom pensar um pouco, ou muito, em tudo.
    Fora isso, dramatica e aterrorizantemente bom o post. Bela poesia de sangue, no minimo. Forte como sempre.

    Fica bem ae :)

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  2. Nossa! Muito bom, muito mesmo, parabéns! Eu pude sentir cada movimento dela em mim, amo histórias que fazem sentirmo-nos assim. *0*

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